EU E ELA

Faz uma semana que eu estava pensando no que dizer, como fazer algo que a convencesse a prestar atenção em mim. Como alguém que, numa noite chuvosa numa estrada antiga e escura, chacoalhando os braços para os fachos de luzes que passavam velozes e deixavam apenas os respingos de barro e lama.

Ninguém nunca parou nesse estrada antes, ainda que tivesse sol, imagina se com chuva. E eu absorto nos meus pensamentos, nas minhas poucas ideias originais que despertassem certo interesse, ah, meu velho poeta, não soube ver que o peixe fisgado era eu, quem chacoalhava na rede dela.

Ela – que deixou isca tão boa e palatável, trazendo seu doiradinho à armadilha – plantou-me delícias à vista, e eu, pensando que perguntava, respondia. Como um naufrago sonhando afogado com um navio distante e ele a bradar, acorda nos braços resgatado do mar. Ah, se não fora seus lábios!

Demorei-me a me dar conta do mundo. Quando caí em mim, já não era eu apenas ali. Passei a semana inteira a meditar nos fatos recentes. “Quem imaginaria que numa segunda-feira em Boituva…” Eu ainda assim teimava em me boicotar. Queria justificar a todo custo o meu fracasso. Estava entregue.

Eu, agitado colibri, fui apanhado por suas dóceis mãos. Fiz-me cativo em seus olhos, na sua doçura, na sua delicadeza, na sua belezura. Vi meu futuro em seu colo, em seus seios, meu leito, meu mundo. Vi que há beleza ainda a descobrir. Eu, das filosofias e dos pensamentos, fui atropelado pelos sentimentos. Não sairei incólume dessa corredeira. Arrebatado, mas cônscio de cada sonho que junto, eu e ela, começamos a tecer.