movimento III ou … esta vontade que não passa


Para todos os lados
Esparramada
Mexe-se
Se move

Para dentro e para fora
Para sempre
E avante
E me envolve

Expande-se
Perde-se
Ganha-se
Ocupa-se

Espaceja
Boceja
Deseja
Mais e mais
E mais e mais
Mais, mais, mais

Centrífuga
E sempre para os lados
Todos os lados
Me sufocando

– Assim, já não há mais espaços!

Em mim já não há
Mas nada, adianta, adianta…

Inocência (ou quando de mim partiu…)

Onde tempo foi
que tempo não passa.
Faz três anos
que de madrugada
nós dois nos encontramos
e rumamos numa estrada,
sem entender da encruzilhada
dessa vida o desatino.
Cada qual no seu caminho,
perdidos sem carinho,
buscando a presteza
de valer-se nesse mundo.

Onde foi, se no tempo,
tempo certo com certeza.
Não me lembro tal quimera
que atravessou na minha mente
me iludindo a carreira.
Eu, menino ainda, aberto
para experimentar tal sentimento,
querido num momento,
num tal outro, abandonado
ao desejo do mundo,
ao Deus dará, que pecado.

– Deixaste esse menino solto?
Pudesse então padecer tal desdita,
está tão perdido, tal qual cão alado.
Meteu-se na cabeça
que pudesse mudar o mundo,
mas visto enredado na paixão
voltou-se contra si,
morreu de solidão.
Hoje vaga redemoinho,
grita nas ruas à loucura
tentando reencontrar o caminho
da tal encruzilhada
de onde tomou noutra estrada
quando do seus os meus olhos
perdeu-se o carinho.
Quando seu rumo no meu
encontrou-se em desalinho.

BUSCAS IV


Malditas palavras
Mal fadadas
Destruidoras
Equivocas
Insalubres
Mesquinhas

Mal ditas rubras
Mal faladas
Desgostosas
Esquivas
Imaturas
Mentirosas

Impudicas
Imemoráveis
Tórpidas
Pela embriaguez
Intragáveis
Desérticas
Calcificadas

Entaladas
Palavras
Mal faladas
Orbitantes
Perdidas
Mal fadadas
Impraticávelmente
Mal ditadas

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

O DOMINGO

Ainda era madrugada e algumas mulheres já se movimentavam. Queriam dar continuidade no que a tradição não permitiu fazer no dia anterior. A tristeza ainda preenchia o coração e a dúvida de como seria o caminho agora sem o mestre era abundante no pensamento. Foi um dia que começava denso, obscuro. Um ar de tristeza conduzia os passos daqueles que já se colocaram de pé ainda muito cedo, enquanto uma ponta de esperança traçava aos poucos um novo destino no peito.

Muitas notícias corriam diante das minhas vistas. Talvez seus seguidores haveriam roubado o seu corpo para fazer cumprir sua promessa de ressurreição. Será que era essa a verdade que faltava para apagar a pequena chama que insistia em acender em muitos corações? Mas talvez, a verdade é que ele tenha ressurgido. E se tiver acontecido de fato? Quanta esperança, quanta alegria, quanta euforia! Quanto medo. O relato da ressurreição, a pedra removida do túmulo, a visão de um ser celestial, tudo isso visto e dito por mulheres. Será que merecem nossa confiança?

A noticia corria longe, todos da circunvizinhança estavam sabendo sobre a possível ressurreição. Muitos estavam desmentindo e criando estórias para explicar o corpo sumido, o túmulo vazio. Alguns dos seguidores estavam se reunindo para averiguar os fatos. Havia muito medo de que tudo isso fosse alguma forma de incriminar aqueles que estavam mais próximos de Jesus, a tensão e o risco iminente de perseguição e repressão por lutar pala verdade era o sentimento de muitos deles. Mesmo assim, a cada segundo, a cada nova notícia, a cada verdade confirmada, um ímpeto profundo na alma para continuar, para lutar e confiar naquilo tudo que se tinha ouvido dele, ficava mais forte, como se sua presença e o quente arfar de seus últimos esforços na cruz, estivesse com tal vivacidade ainda em seus ouvidos.

Muitos já relatavam experiências, daquilo que pensavam ser o mestre presente, desde em pequenas reuniões, ou até mesmo visões que aconteciam quando sozinhos no caminho ou em casa, de vultos e vozes ouvidas. Alguns não percebiam e nem acreditavam que poderia ser ele. Outros só se deram conta quando ouviam relatos e descobria partilhar daquele mesmo ardor na alma e reavivar das verdades por ele ensinadas.

Porém o que todos realmente sabiam em suas almas, que apesar da loucura, da insanidade de se crer naquilo que somente era conhecido em relatos mitológicos, sobre heróis e deuses, diante dos quais Jesus passava ao largo, é que havia um sentimento de serenidade, que inspirava esperança e fé. Assim, em meio às dúvidas e possibilidades diante de seus olhos, todos os que criam se reuniam, com o fim de fortalecer uns aos outros naquele longo e árduo caminho, cheio de lacunas, de faltas, cheio de promessas e de perene vida. Fui assim, o domingo da ressurreição, o dia da serenidade.

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

O SÁBADO

Silêncio. Poucas pessoas saíram cedo hoje. Muitas ficaram até mais tarde deitadas, relembrando o dia anterior. Com o medo do que poderia vir. Hoje, um dia obscuro, um dia nublado. Um dia feio. Hoje a morte traz a dúvida. Nada se pode fazer. Eu via a dedicação, a devoção das mulheres em preparar perfumes e aromas para o seu corpo, mas nada hoje pode ser feito. Hoje é o sábado. O dia separado do Senhor.

Muitos dos cúmplices dele ainda estavam perambulando perdidos tentando encontrar respostas. Duvidosos e incrédulos, amedrontados com tudo que acabara de acontecer. Dispersos, buscavam no mais profundo do ser possibilidades para entender se tudo que passara não havia sido nada mais nada menos que um sonho. Ou será pesadelo?

Hoje a madrugada foi longa e a manhã arrastava lentamente até ao fim da tarde. Muita gente nem fazia questão de pensar. Alguns, principalmente aqueles que o seguiam, passaram o dia apreensivos, esperançosos. Alguns com muita fé, lembravam dos seus últimos sermões e ensinos e dos bons momentos que passavam com ele, e tudo isso lhes enchiam a alma de confiança. Outros, estavam decepcionados consigo mesmos. O que fazer quando o alvo da nossa decepção, somos nós mesmos? Quando olhamos para tudo que tem acontecido e vemos que não conseguimos ser forte o suficiente? Que mentimos, quando devíamos dizer a verdade? Que fugimos, na hora em que deveríamos encarar o mundo, abrir o peito e assumir o riscos?

Eu sentia como se: um pequeno pássaro obrigado a sair do ninho para começar a voar. Mas voar pra onde? Eu nem sabia que poderia voar? Eram como pássaros, naquele dia nublado, seco, sem vento, como o dia que prenuncia o fim do verão e a necessidade de seguir viagem junto com as estações. Mas como seguir? Alguns até queriam, mas para onde? Como começar? Como não permitir que qualquer um se perca? Como podemos continuar a vida, se mal o perdemos e já percebemos que ele vai fazer muito mais falta do que esperávamos.

Fui assim, dia da indagação, do medo, da escuridão. Do fraco ímpeto para continuar apesar de tão amarrado. Da esperança, da fé e da dúvida. Fui assim, o sábado.

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

A SEXTA

Começo nublado. Parece que foi só virar o dia, e fui tomado de sombra e terror da escuridão. Não importa o que disserem, hoje é dia de dizer não, de negar. Dia de duvidar. De julgar. De condenar, seja como for, e quem for. E como todo dia gris, dia de reavaliar e refletir sobre a vida e nossos caminhos. Foi aqui que muitos se perguntaram, quem ele era e assim se deparam com a pergunta sobre quem somos nós afinal.

Tantos dentre muitos perseveraram. Outros silenciaram e deixaram de lutar por justiça com as próprias mãos. Uns por covardia, outros por entenderem seus destinos. Vi que por invejas e medos fazem-se loucuras, que para manter a aparência e o domínio, matar não é problema. Desde que amparado pela lei. Lei? E esses que se escondem atrás da lei, lavam suas mãos, e para não perder prestígios políticos, se omitem diante da injustiça e maldade, fazendo assim valer a “lei”. Como diria o meu velho deitado virando a cara e fingindo não ver nada, vocês que são brancos que se entendam. E tem aqueles que só cumprem ordens, brutalmente e mordazmente cumprem ordens. E assim, ferir, maltratar, zombar, roubar, humilhar, crucificar… sacrificar… sacrificar… sacrificar… são apenas ordens. Ordens que desde a antiguidade se vem seguindo. E quando alguém vem e as questiona rompendo com o passado e apontando para o futuro e para realidade, pegam o coitado e o colocam numa cruz.

Muito amor também eu vi. E um amor prático. Morrer sem culpa qualquer. E sofrer todos os abusos que vi sem sequer abrir a boca para reclamar. Morrendo sem a ninguém condenar. E ainda dar a esperança para aquele que sofria ao seu lado, sem jamais esmorecer. Muita esperança vi também, mas misturada com muita dúvida. Muita certeza, misturada com indignação. De tudo que se tinha dito, muito já tinha acontecido. Trairão, traíram. Negarão, negaram. Zombarão, zombaram. Tinha muita gente com medo. Muita gente fugindo, com remorso, se escondendo. Tentando de alguma forma voltar atrás. Uns nem acreditavam mais e desistiram de muita coisa, outros até mesmo da própria vida largaram mão. Então quando o tempo fechou, o céu escureceu e até o chão tremeu, teve muita gente que se arrependeu sem nem saber porque. Pois fui assim, esse dia gris, que da dor e do sofrimento, fez se esperança e amor: a sexta-feira.

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

A QUINTA

Amanheci radiante, com um lindo sol aquecendo o orvalho da madrugada fria. As pessoas estavam todas correndo com preparativos para as celebrações. Apesar do aparente agito, havia alguns corações aflitos e pairava um ar de despedida.

Gente que falava sobre a vida como se eu fosse o seu ultimo dia. Gente que andava apressado para concluir seus planos. Gente que gastava cada minuto expressando seu amor, outros devoção assim como se pudessem prever o que estaria por vir. Havia, como sempre, muitas pessoas agindo errado, mentindo e roubando. Traindo.

Tudo isso, passando diante dos meus olhos, me dava a sensação de que havia alguma coisa errada no ar. Dos gritos das tabernas aos sussurros dos grandes salões onde autoridades tomam decisões importantes. Todo esse mistério que rola nas antecipações de uma grande festa, ou mediante uma assombrosa decisão.

Era assim, envolto dessa alegria, do barulho da festa, da loucura, do alarido do povo, das correntes, da marcha, do silêncio misterioso na espera, no olhar nos olhos de alguém próximo de quem não se encontra mais a paz, na dor de saber que deve se escolher a melhor parte, no temor e na submissão. Nesse clima de decisão de não fugir da dança, mas abraçar se ao destino, que vi que mesmo sabendo do que os outros são capazes, ainda há razão para amá-los – e isso eu ainda não entendi – e mesmo sendo traído, pode se ainda perdoar, mesmo sofrendo sem poder compartilhar com ninguém sua dor, ainda é momento de olhar para os outros e estender as mãos e se alegrar. Sempre é tempo de servir, de amar, de honrar, de declarar nossas expectativas e esperança do futuro que se apresenta. Pois fui assim, da alegria, da celebração, da amizade, ao mistério, ao medo, ao sofrimento previsto, à traição. Sou eu: a quinta-feira.

..::movimento::..

Tudo que é pra dentro,
é tal qual pra fora expressado.
E quando me expresso,
revelo o que há dentro para o exterior.
Assim provoco um novo conhecimento
do que dentro está
pelo simples fato de poder
torná-lo possível fora, no exterior.

Quando exposto, o que há dentro
passa a compartilhar do que é de fora.
Quando percebido fora,
ele volta para dentro de mim
com marcas, resquícios,
manchas do experienciado fora.

Então o vivenciado é experimentado
sempre duas vezes,
no interno e no externo,
no movimento de dentro pra fora
e de fora pra dentro.

..::pra fora

Todas as formas, desenhos,
detalhes, objetos, figuras,
semelhanças e imagens
que eu vejo,
são meras possibilidades
que estão fora de mim.

Me trazem lembranças
e movem meu interno.
O meu interior se apercebe
pelos modos exteriores
que se apresentam como extensores
daquilo que há dentro
e sempre há possibilidades
naquilo que é de fora.
E eu, sempre crio oportunidades
para ir pra fora de mim.

Seja nos sons ou nas palavras,
nos gestos, ou objetos criados,
iconizando os meus desejos.
Sempre é pra fora,
quando me expresso,
tudo que processado no mais interno
do profundo do eu.