FELIZ 12

Enfim, novo ano! Novas oportunidades. Renovo!

O ano 12 é um ano de possibilidades, onde um horizonte de coisas se apresentam. Basta escolher.

Uns casarão, outros mudarão de emprego, de vida, de cônjuge, de cidade, de país. Encontros e despedidas se darão. Problemas serão solucionados, dando lugar para novos desafios e oportunidades. Para muitos a esperança findará, para muitos se multiplicará.

Ano 12, doze meses e muitas outras histórias para contar. Tristes e alegres, boas e ruins, todas nos marcarão, nos ensinarão, levarão parte de nós, nos trarão novos trejeitos e manias, cada qual a seu modo. Histórias.

O meu desejo é que no meio de todo esse emaranhado de vidas, momentos, possibilidades que se apresentam, que se abrem diante de nós, não falte nunca espaço para estarmos gratos!

Grato, satisfeito, reconhecendo em todas as coisas e em todo o tempo, tudo aquilo que merece ser louvado. Expressar a satisfação de estar vivo e vivo desfrutar das possibilidades de modo intenso, verdadeiro e único (pois acredite, cada respirada singular jamais será de novo).

Esse é o ano que eu vislumbro e é assim que eu quero nele estar: Grato!

É O OUTRO!

Vi, como um bom bisbilhoteiro da vida alheia, uma frase, um comentário sobre quão egocêntrico os jovens hoje se apresentam. Por infelicidade, ou por descuido, também comentou-se, que nós – aqueles que não somos egocêntricos – sofremos ao vê-los tão dispersos, olhando apenas para seus próprios umbigos.


Pensando sobre esse egocentrismo do outro, a única coisa que vi, foi a mim mesmo; tão egocentrico que de tanto olhar para o meu umbigo, acreditei que ele fosse o outro. Assim vi a mim em todos aqueles que para mim não era apenas eu mesmo.


Pensando nessa salada toda, descobri algumas coisas sobre mim: que seria bom se todas as minhas ações para o próximo fosse sempre em prol do outro; ás vezes, o que eu faço para o próximo é mais por querer ser efetivo com aquilo que creio que sou, que por está diante do outro, me dispondo e me abrindo para o outro.


Vivemos uma busca por entendermos de fato quem somos. Mesmo que não seja algo “na cara”, ou uma pergunta que de fato vem à nossa mente de forma tão óbvia, quem eu sou?, mas de diversas formas estamos tentando acreditar que somos algo, ou tentando provar, ou sermos aceitos pelo que somos. “Se somos, somos, isso é o que importa”, diria o cantador (Seu Lega Gaspar).


Mas se ser é o que importa, não importa quando somos, por que se ser (quando sou) é motivo de orgulho para mim diante dos outros, como a criança do “eu tenho, você não tem”, talvez não sejamos de fato. Ser e ter que provar o que se é o tempo todo, talvez seja por não-ser. Ser só teria sentido enquanto estou sendo. Talvez ter que ser, é deixa de ser para que o outro seja. A linguagem atrapalha muito aqui. Está sendo quando não há preocupação em ter que ser, mas apenas em que o outro seja.


O que quero dizer de fato é que enquanto não me abro para o outro, tanto à Deus quanto ao próximo, não sou capaz de ser. E quando falo abrir-se para o outro, quero que a ênfase esteja no outro. Mais uma vez esbarro-me na linguagem, mas o outro enquanto outro mesmo, não outro mesmo de mim, mas o outro que não sou eu, que é diferente, que é estranho. É permitir que alguém mais seja (o outro seja), que não eu mesmo. Não ser, ou não ter que ser, me ajuda a ver o outro, como ele é, e não como eu acho que tem que ser.


O ser só pode ser enquanto se é. Se tiver que se questionar sobre o que se é, talvez não seja. Como diria Deus a Moisés, Sou o que sou, e eu complemento, quando sou, e como sou o tempo(?) todo, pode me chamar apenas de Eu sou! Deus é, então Ele não se questiona sobre o Ser dele. Mas o ser que somos nós, o tempo todo pergunta pelo ser, pelo seu sentido, pela sua razão de ser. Talvez por que o seu sentido esteja naquele que é de fato e verdade. Aquele que é tudo em todos!


Quando alienamo-nos de Deus, ficamos tateando buscando ser alguma coisa, anulamos o outro, por que precisamos ser, ansiamos por ser. Ao alienarmo-nos de Deus, no alienamo-nos do outro também, por que eles apenas vão nos mostra o que não somos.


Agora Deus é tão bom que mesmo tateando nós podemos o encontrar, no mundo, na vida, na natureza, no outro. Mas temos tanto medo da responsabilidade de ser, que não sendo vemos isso (o não-ser) apenas naquilo que chamamos de outro. Acho que pode parecer loucura, mas ansiamos por novamente poder dizer como Jesus dizia, quem vê a mim, vê o Pai. Por que isso, estando no Pai, naquele que É, o Eu sou, nEle eu vou sendo e vou deixando o outro ser.


Um coisa que percebo em Jesus, é o quanto ele permitia que o outro fosse. Aparentemente, ele não determina quem o outro é apartir dele mesmo, de suas experiências e do seu tato; antes, permite que o outro seja. Talvez, por isso mesmo que ao aproximar de um cego, um coxo, um leproso, ele perguntava: “o que quer que eu faça, o que você quer de mim?” Por que apesar de ser mais um doente, era um outro doente. Apesar de que todos os leprosos, poderiam querer a cura, aquele próximo leproso, era um outro leproso, diferente do anterior, diferente do próximo, e diferente principalmente de mim, de Jesus, diferente de cada um de nós.


Acredito que olhar como Jesus, ou com os olhos dEle, seria olhar para o outro, como outro. Não como eu gostaria que o outro fosse, mas como ele é. É aceitar o outro, é querer o outro por perto, por que é outro. É não aceitar mais que seja o mesmo de mim e sempre considerar que o outro é outro diferente mesmo, apesar de muitas coisas iguais!


É aceitar que o outro tem limites, que não são os mesmos para todos, mas são diferentes para cada um. Sendo, um outro um próximo, o desafio está dado, cada próximo meu é um outro diferente. E preciso ver, lidar e relacionar com a realidade de que cada próximo é um outro e é um diferente e é um desafio e é uma aventura e é uma descoberta e é uma vida.


Somente pela graça de Deus, que me permitir estar nele, para ser e deixar ser. Como disse meu amigo Stutz, bastasse reconhecer que somos (ou que não somos) e nos entregar nas mãos do Único que pode nos transformar. Transformação essa que acontece quando eu me abro pra Ele, me abrindo para o outro.

FALTA DE AMOR VERSUS FALTA DE AMIZADE

Pessoas que conheço curtiram uma frase com a dualidade acima. E declararam a vitória da falta da amizade sobre a falta de amor, no assunto ruína de relacionamentos e casamentos. É falta de amizade e não a falta de amor que arruína relacionamentos! Dogmático e categórico.


Fico pensando sobre essas duas questões que se apresentam. Acho dificil escolher uma delas, e equacioná-las com relacionamento. Muito amor, muita amizade é sinonimo de bom relacionamento? Falta amor, muita amizade, idem? Muito amor, pouca amizade significa ruína e por aí vai?


Gostaria só de pensar um pouco sobre o que é amor, e o que é amizade. Sabendo que, dificilmente vamos esgotar e determinar tanto um quanto o outro. E com isso não quero desmerecer o mérito da frase proposta e de sua intenção, mas apenas ponderar sobre os limites dela. E acredito que, amor e amizade são elementos essenciais para bons relacionamentos, e para mim, a falta de qualquer um deles, dentre outros, é ruína para um relacionamento.


Eu queria pensar numa faceta do amor para considerarmos melhor sobre o mesmo: o Altruísmo. A capacidade de sair de si, para dignificar o outro. Ou a inclinação para obter o bem para o próximo. São Paulo, escrevendo sobre o amor, fala sobre isso, que o amor não busca seu próprio interesse. É dificil falarmos sobre esse ponto, quando o assunto é relacionamento amoroso, por que os amantes estão sempre buscando o seus próprios interesses no outro, o que precisa mudar. Mas no casamento, essa busca pelos próprios interesses deveria transformar-se de busca dos meus para ao menos na busca dos nossos interesses, ou na sastisfação de saber que os interesses do outro suprido supre os meus. Vê como é imprescindível apenas um dentre vários aspectos que o amor é.


Dizem sobre a amizade, sobre o amigo, que é aquele que apesar dos seus defeitos, continua gostando de você, outro poeta diz que amizade não se faz, mas se descobre. O que mais me encanta na amizade é que através dela, você se descobre amando. Ela é o ambiente melhor para se amar, principalmente o amor dos amantes, por que é onde eu escolho o outro sem a menor necessidade do outro, até que eu decida necessitar dele.


É por essa razão que não consigo pensar na equação acima. Sem amor, não existe possibilidade de amizade. Sem amizade, no relacionamento amoroso, o amor perde o sentido. É quase impossivel um relacionamento sem a possibilidade de ambos, amor e amizade, o tempo todo. Um dos desafios para o cristão é de amar seu inimigo, pois é o esforço para desenvolver o amor num ambiente totalmente desfavorável a ele. O que apenas demonstra que a ruína nem sempre é necessária.


Concordo com alguém que disse acerca do verdadeiro amor. O amor está ficando banalizado, mas não o amor verdadeiro. E talvez, o que arruína um casamento, um relacionamento, não seja tão fácil de se escrever em alguns caracteres. Às vezes, queremos respostas fáceis para a vida, mas a vida é complexa demais para uma resposta muito simplista assim. Talvez, o que arruína a nossa vida, é vivermos ela de maneira rasa, pouco autêntica, banalizando-a, querendo torná-la fácil e barata. Viver é caríssimo, meu caro, e todos os seus desdobramentos (relacionamentos, familia, trabalho, vocação) idem!

Inocência (ou quando de mim partiu…)

Onde tempo foi
que tempo não passa.
Faz três anos
que de madrugada
nós dois nos encontramos
e rumamos numa estrada,
sem entender da encruzilhada
dessa vida o desatino.
Cada qual no seu caminho,
perdidos sem carinho,
buscando a presteza
de valer-se nesse mundo.

Onde foi, se no tempo,
tempo certo com certeza.
Não me lembro tal quimera
que atravessou na minha mente
me iludindo a carreira.
Eu, menino ainda, aberto
para experimentar tal sentimento,
querido num momento,
num tal outro, abandonado
ao desejo do mundo,
ao Deus dará, que pecado.

– Deixaste esse menino solto?
Pudesse então padecer tal desdita,
está tão perdido, tal qual cão alado.
Meteu-se na cabeça
que pudesse mudar o mundo,
mas visto enredado na paixão
voltou-se contra si,
morreu de solidão.
Hoje vaga redemoinho,
grita nas ruas à loucura
tentando reencontrar o caminho
da tal encruzilhada
de onde tomou noutra estrada
quando do seus os meus olhos
perdeu-se o carinho.
Quando seu rumo no meu
encontrou-se em desalinho.

BUSCAS IV


Malditas palavras
Mal fadadas
Destruidoras
Equivocas
Insalubres
Mesquinhas

Mal ditas rubras
Mal faladas
Desgostosas
Esquivas
Imaturas
Mentirosas

Impudicas
Imemoráveis
Tórpidas
Pela embriaguez
Intragáveis
Desérticas
Calcificadas

Entaladas
Palavras
Mal faladas
Orbitantes
Perdidas
Mal fadadas
Impraticávelmente
Mal ditadas

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

O DOMINGO

Ainda era madrugada e algumas mulheres já se movimentavam. Queriam dar continuidade no que a tradição não permitiu fazer no dia anterior. A tristeza ainda preenchia o coração e a dúvida de como seria o caminho agora sem o mestre era abundante no pensamento. Foi um dia que começava denso, obscuro. Um ar de tristeza conduzia os passos daqueles que já se colocaram de pé ainda muito cedo, enquanto uma ponta de esperança traçava aos poucos um novo destino no peito.

Muitas notícias corriam diante das minhas vistas. Talvez seus seguidores haveriam roubado o seu corpo para fazer cumprir sua promessa de ressurreição. Será que era essa a verdade que faltava para apagar a pequena chama que insistia em acender em muitos corações? Mas talvez, a verdade é que ele tenha ressurgido. E se tiver acontecido de fato? Quanta esperança, quanta alegria, quanta euforia! Quanto medo. O relato da ressurreição, a pedra removida do túmulo, a visão de um ser celestial, tudo isso visto e dito por mulheres. Será que merecem nossa confiança?

A noticia corria longe, todos da circunvizinhança estavam sabendo sobre a possível ressurreição. Muitos estavam desmentindo e criando estórias para explicar o corpo sumido, o túmulo vazio. Alguns dos seguidores estavam se reunindo para averiguar os fatos. Havia muito medo de que tudo isso fosse alguma forma de incriminar aqueles que estavam mais próximos de Jesus, a tensão e o risco iminente de perseguição e repressão por lutar pala verdade era o sentimento de muitos deles. Mesmo assim, a cada segundo, a cada nova notícia, a cada verdade confirmada, um ímpeto profundo na alma para continuar, para lutar e confiar naquilo tudo que se tinha ouvido dele, ficava mais forte, como se sua presença e o quente arfar de seus últimos esforços na cruz, estivesse com tal vivacidade ainda em seus ouvidos.

Muitos já relatavam experiências, daquilo que pensavam ser o mestre presente, desde em pequenas reuniões, ou até mesmo visões que aconteciam quando sozinhos no caminho ou em casa, de vultos e vozes ouvidas. Alguns não percebiam e nem acreditavam que poderia ser ele. Outros só se deram conta quando ouviam relatos e descobria partilhar daquele mesmo ardor na alma e reavivar das verdades por ele ensinadas.

Porém o que todos realmente sabiam em suas almas, que apesar da loucura, da insanidade de se crer naquilo que somente era conhecido em relatos mitológicos, sobre heróis e deuses, diante dos quais Jesus passava ao largo, é que havia um sentimento de serenidade, que inspirava esperança e fé. Assim, em meio às dúvidas e possibilidades diante de seus olhos, todos os que criam se reuniam, com o fim de fortalecer uns aos outros naquele longo e árduo caminho, cheio de lacunas, de faltas, cheio de promessas e de perene vida. Fui assim, o domingo da ressurreição, o dia da serenidade.

Monólogo dos dias

O Monólogo dos dias apresenta a Paixão de Cristo pela perspectiva do sentimento que, se fosse possível personalizar cada um dos dias poderíamos ouvi-los relatando. Então está aí, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo, exprimindo impressões sobre uma perene semana curiosa que tem mudado a realidade.

O SÁBADO

Silêncio. Poucas pessoas saíram cedo hoje. Muitas ficaram até mais tarde deitadas, relembrando o dia anterior. Com o medo do que poderia vir. Hoje, um dia obscuro, um dia nublado. Um dia feio. Hoje a morte traz a dúvida. Nada se pode fazer. Eu via a dedicação, a devoção das mulheres em preparar perfumes e aromas para o seu corpo, mas nada hoje pode ser feito. Hoje é o sábado. O dia separado do Senhor.

Muitos dos cúmplices dele ainda estavam perambulando perdidos tentando encontrar respostas. Duvidosos e incrédulos, amedrontados com tudo que acabara de acontecer. Dispersos, buscavam no mais profundo do ser possibilidades para entender se tudo que passara não havia sido nada mais nada menos que um sonho. Ou será pesadelo?

Hoje a madrugada foi longa e a manhã arrastava lentamente até ao fim da tarde. Muita gente nem fazia questão de pensar. Alguns, principalmente aqueles que o seguiam, passaram o dia apreensivos, esperançosos. Alguns com muita fé, lembravam dos seus últimos sermões e ensinos e dos bons momentos que passavam com ele, e tudo isso lhes enchiam a alma de confiança. Outros, estavam decepcionados consigo mesmos. O que fazer quando o alvo da nossa decepção, somos nós mesmos? Quando olhamos para tudo que tem acontecido e vemos que não conseguimos ser forte o suficiente? Que mentimos, quando devíamos dizer a verdade? Que fugimos, na hora em que deveríamos encarar o mundo, abrir o peito e assumir o riscos?

Eu sentia como se: um pequeno pássaro obrigado a sair do ninho para começar a voar. Mas voar pra onde? Eu nem sabia que poderia voar? Eram como pássaros, naquele dia nublado, seco, sem vento, como o dia que prenuncia o fim do verão e a necessidade de seguir viagem junto com as estações. Mas como seguir? Alguns até queriam, mas para onde? Como começar? Como não permitir que qualquer um se perca? Como podemos continuar a vida, se mal o perdemos e já percebemos que ele vai fazer muito mais falta do que esperávamos.

Fui assim, dia da indagação, do medo, da escuridão. Do fraco ímpeto para continuar apesar de tão amarrado. Da esperança, da fé e da dúvida. Fui assim, o sábado.

Monólogo dos dias

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A SEXTA

Começo nublado. Parece que foi só virar o dia, e fui tomado de sombra e terror da escuridão. Não importa o que disserem, hoje é dia de dizer não, de negar. Dia de duvidar. De julgar. De condenar, seja como for, e quem for. E como todo dia gris, dia de reavaliar e refletir sobre a vida e nossos caminhos. Foi aqui que muitos se perguntaram, quem ele era e assim se deparam com a pergunta sobre quem somos nós afinal.

Tantos dentre muitos perseveraram. Outros silenciaram e deixaram de lutar por justiça com as próprias mãos. Uns por covardia, outros por entenderem seus destinos. Vi que por invejas e medos fazem-se loucuras, que para manter a aparência e o domínio, matar não é problema. Desde que amparado pela lei. Lei? E esses que se escondem atrás da lei, lavam suas mãos, e para não perder prestígios políticos, se omitem diante da injustiça e maldade, fazendo assim valer a “lei”. Como diria o meu velho deitado virando a cara e fingindo não ver nada, vocês que são brancos que se entendam. E tem aqueles que só cumprem ordens, brutalmente e mordazmente cumprem ordens. E assim, ferir, maltratar, zombar, roubar, humilhar, crucificar… sacrificar… sacrificar… sacrificar… são apenas ordens. Ordens que desde a antiguidade se vem seguindo. E quando alguém vem e as questiona rompendo com o passado e apontando para o futuro e para realidade, pegam o coitado e o colocam numa cruz.

Muito amor também eu vi. E um amor prático. Morrer sem culpa qualquer. E sofrer todos os abusos que vi sem sequer abrir a boca para reclamar. Morrendo sem a ninguém condenar. E ainda dar a esperança para aquele que sofria ao seu lado, sem jamais esmorecer. Muita esperança vi também, mas misturada com muita dúvida. Muita certeza, misturada com indignação. De tudo que se tinha dito, muito já tinha acontecido. Trairão, traíram. Negarão, negaram. Zombarão, zombaram. Tinha muita gente com medo. Muita gente fugindo, com remorso, se escondendo. Tentando de alguma forma voltar atrás. Uns nem acreditavam mais e desistiram de muita coisa, outros até mesmo da própria vida largaram mão. Então quando o tempo fechou, o céu escureceu e até o chão tremeu, teve muita gente que se arrependeu sem nem saber porque. Pois fui assim, esse dia gris, que da dor e do sofrimento, fez se esperança e amor: a sexta-feira.

Monólogo dos dias

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A QUINTA

Amanheci radiante, com um lindo sol aquecendo o orvalho da madrugada fria. As pessoas estavam todas correndo com preparativos para as celebrações. Apesar do aparente agito, havia alguns corações aflitos e pairava um ar de despedida.

Gente que falava sobre a vida como se eu fosse o seu ultimo dia. Gente que andava apressado para concluir seus planos. Gente que gastava cada minuto expressando seu amor, outros devoção assim como se pudessem prever o que estaria por vir. Havia, como sempre, muitas pessoas agindo errado, mentindo e roubando. Traindo.

Tudo isso, passando diante dos meus olhos, me dava a sensação de que havia alguma coisa errada no ar. Dos gritos das tabernas aos sussurros dos grandes salões onde autoridades tomam decisões importantes. Todo esse mistério que rola nas antecipações de uma grande festa, ou mediante uma assombrosa decisão.

Era assim, envolto dessa alegria, do barulho da festa, da loucura, do alarido do povo, das correntes, da marcha, do silêncio misterioso na espera, no olhar nos olhos de alguém próximo de quem não se encontra mais a paz, na dor de saber que deve se escolher a melhor parte, no temor e na submissão. Nesse clima de decisão de não fugir da dança, mas abraçar se ao destino, que vi que mesmo sabendo do que os outros são capazes, ainda há razão para amá-los – e isso eu ainda não entendi – e mesmo sendo traído, pode se ainda perdoar, mesmo sofrendo sem poder compartilhar com ninguém sua dor, ainda é momento de olhar para os outros e estender as mãos e se alegrar. Sempre é tempo de servir, de amar, de honrar, de declarar nossas expectativas e esperança do futuro que se apresenta. Pois fui assim, da alegria, da celebração, da amizade, ao mistério, ao medo, ao sofrimento previsto, à traição. Sou eu: a quinta-feira.

..::movimento::..

Tudo que é pra dentro,
é tal qual pra fora expressado.
E quando me expresso,
revelo o que há dentro para o exterior.
Assim provoco um novo conhecimento
do que dentro está
pelo simples fato de poder
torná-lo possível fora, no exterior.

Quando exposto, o que há dentro
passa a compartilhar do que é de fora.
Quando percebido fora,
ele volta para dentro de mim
com marcas, resquícios,
manchas do experienciado fora.

Então o vivenciado é experimentado
sempre duas vezes,
no interno e no externo,
no movimento de dentro pra fora
e de fora pra dentro.